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POLÍTICA

Promotores e procuradores do MP do Acre receberam acima do teto constitucional em 2024, mostram o Globo e Estadão

Promotores e procuradores do MP do Acre receberam acima do teto constitucional em 2024, mostram o Globo e Estadão

A Transparência Brasil analisou as folhas salariais de 11.656 mil membros do MP em 25 unidades (21 estaduais e quatro da União) que divulgaram dados nominais e completos de cada um dos promotores e procuradores em 2024. E pinçou os casos daqueles que receberam, no ano, mais que o teto somado de R$ 525,7 mil. Os resultados, compilados a partir dos salários brutos, indicaram maior descontrole nos MPs estaduais que no MP da União.

Procurado, o Conselho Nacional do Ministério Público ainda não se manifestou.

Segundo a ONG, os furos no teto foram impulsionados sobretudo pelo benefício conhecido como licença compensatória ou gratificação por acúmulo de acervo — ao menos R$ 687 milhões foram pagos sob essa rubrica. (O benefício foi parar no STF, depois de um promotor aposentado de São Paulo pedir a suspensão do pagamento que lhe seria concedido.)

'Teto decorativo'

O levantamento não leva em conta a gratificação natalina (equivalente ao 13º salário) nem o terço constitucional de férias, que somaram R$ 739 milhões adicionais nos salários de promotores e procuradores no ano passado. A ONG argumentou que os benefícios estão previstos na Constituição e também são pagos aos trabalhadores em regime CLT, "portanto não configuram privilégios do sistema de Justiça". Por outro lado, ponderou que promotores e procuradores possuem 60 dias de férias ao ano, o que dobra o adicional do descanso. Pagamentos retroativos também não foram considerados, por ser disponibilizados de outra forma e demandarem outro tipo de análise.

Outros R$ 1,4 bilhão pagos aos servidores (31% do montante total) não entraram no cálculo por não haver definição clara sobre a qual benefício se referiam. Ao GLOBO, a diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, questionou a opacidade dos dados divulgados por parte de órgãos que deveriam zelar pelo respeito às leis.

— Quase a totalidade dos membros recebe acima do teto. E isso acontece em órgãos cuja função é garantir a obediência à legalidade, aos princípios constitucionais e democráticos. O próprio MP viola os princípios da moralidade, da economicidade dos gastos públicos. Essa opacidade é uma dimensão absurda, prejudica a prestação de contas e impede que a sociedade saiba por que eles recebem tantos benefícios e penduricalhos. Além disso, há uma resistência sistemática, que é a falta de divulgação dos nomes, da individualização dos gastos — ressaltou ela.

De acordo com o estudo, dentre os promotores e procuradores cujos vencimentos furaram o teto, em 77% dos casos houve "estouro" de mais de R$ 100 mil. Em dez das 25 unidades do MP analisadas, todos os membros receberam acima do teto — Alagoas, Mato Grosso, Goiás, Amazonas, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rondônia e Acre. Em Amapá, Pernambuco, Sergipe e Espírito Santo, apenas um membro não excedeu o limite.

Os MPs foram procurados pelo GLOBO. Os de Alagoas e Acre afirmaram que os dados estão publicados no Portal da Transparência e que os repasses obedecem integralmente à legislação e que o custeio se dá com recursos previstos em orçamento próprio. Os demais ainda não responderam. Ao Estadão, os órgãos de Acre, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Goiás disseram agir conforme a Constituição do país.

Com exceção do Ministério Público Militar, todas as unidades do MP da análise pagaram salário bruto médio acima do teto constitucional, diz a Transparência Brasil. O Rio de Janeiro apresentou a maior média: R$ 76,2 mil.

O estudo não considerou o Ministério Público de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul porque ambos ocultaram a divulgação de nomes e matrículas do contracheque dos membros. Já as unidades do Pará, Roraima e Tocantins não foram consideradas por não terem publicado dados completos.

Um estudo da Transparência Brasil de setembro mostrou que o fenômeno vai além dos MPs: pelo menos R$ 4,5 bilhões foram pagos a juízes e desembargadores acima do teto em 2024. Para Marina Atoji, o cenário disseminado de "fura-teto" exige ação do CNMP e do Congresso Nacional.

— De imediato, o Conselho poderia limitar esse pagamento de penduricalhos, até porque muito disso vem da ação de validar ou ele próprio institucionalizar esses benefícios, à margem da lei. A médio e a longo prazo, a reforma administrativa pode servir de barreira efetiva. A gente teve o PL dos Supersalários que, no fim das contas, não fez esse papel. Agora, o texto apresentado traz uma evolução e tem o potencial de ser esse mecanismo de fazer o teto constitucional não ser mais só um teto decorativo — destacou a diretora da ONG.

A remuneração de servidores é um dos pontos estruturais do projeto da reforma administrativa, concluído neste mês pelo relator, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). A proposta prevê a criação, em até dez anos, de uma tabela remuneratória única em cada ente da federação, válida para todos os Poderes e órgãos autônomos. O piso será o salário mínimo, e o teto corresponderá ao limite constitucional. A mudança busca acabar com distorções salariais entre carreiras equivalentes e com a multiplicação de gratificações e adicionais que hoje encarecem a folha de pagamento.

O relator diz que a tabela de remuneração é inegociável. De acordo com o Movimento Pessoas à Frente, a remuneração acima do teto está concentrada nos rendimentos do Judiciário, incluindo o Ministério Público. Levantamento da entidade, divulgado neste ano, aponta que as remunerações extrateto no Judiciário somaram R$ 10 bilhões em 2024.

A principal ação defendida pelo movimento para barrar os supersalários é colocar na lei a classificação correta de verba indenizatória, que deve ser uma remuneração de reparação, pontual e específica, e da verba remuneratória, vedando que os "penduricalhos" sejam criados por ato administrativo.

O texto prevê ainda que servidores cuja remuneração ou subsídio seja igual ou superior a 90% do teto constitucional só poderão receber, no total, até 10% do salário em auxílios de alimentação, saúde e transporte.