Acompanhei de longe, pela mídia, a conturbada exoneração do competente Secretário de Planejamento Raphael Bastos. As picuinhas do poder e miudezas que lamentavelmente permeiam o exercício das funções públicas não são assuntos que mereçam repercussão. Entretanto, a versão mais propalada quanto ao motivo do desligamento dá conta que o Secretário defendia uma política fiscal expansionista, contrapondo-se à postura contracionista da chamada “República do TCE” (o abençoado que criou essa expressão deve ser o mesmo que me outorgou a alcunha de Dr. Maldade).
Portanto, a exoneração teria se dado em função da divergência quanto ao modelo de política fiscal a ser seguido pelo Estado do Acre, esta sim matéria bastante interessante, pois revela grande dilema dos nossos dias.
Raphael, segundo consta, defendia a expansão dos gastos do Governo do Estado, a tese de elevação dos investimentos públicos como forma de incentivar nossa economia. Ele está certo. O Estado exerce papel preponderante na formação de nossa demanda agregada, a retração da atividade do Estado está gerando desemprego e forte contração da atividade econômica.
No passado recente vimos como o investimento público passou por período de grande expansão, tornando-se o principal indutor do crescimento do nosso mercado interno. Como cediço, entre 2006 e 2010, momento mais alvissareiro de nosso desenvolvimento econômico, o investimento do governo federal cresceu em média 27% ao ano.
Além de serem relevantes estímulos por si só, os investimentos públicos induzem os investimentos privados na medida em que fomentam o mercado interno e aumentam as expectativas dos empresários quanto à demanda futura. Elevam-se o emprego e a renda, que por sua vez passam a estimular o consumo das famílias.
Cria-se um ciclo virtuoso. É o chamado efeito multiplicador do investimento público.
Manoel Carlos de Castro Pires, pesquisador do IPEA, em interessantíssimo estudo econométrico – Política Fiscal e Ciclos Econômicos no Brasil (2014) – procurou investigar como se comporta esse efeito multiplicador fiscal no nosso país. O estudo demonstra que para cada real gasto em investimentos públicos ganha-se entre 1,4 a 1,7 em variação do PIB. Para dimensionar o que representa este resultado, basta dizer que para cada real reduzido na carga tributária, pela mesma metodologia, observou-se um aumento na renda nacional entre 0,28 e 0,29.
Talvez esses dados expliquem o motivo pelo qual, a partir de 2011, com o fim do ciclo de expansão dos investimentos e sua substituição por uma política de redução de tributos e concessão de estímulos ao setor privado (nova matriz econômica da Dilma), acabamos retirando da nossa economia um dos seus principais catalisadores. Além das restrições que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal nos impõem, estas circunstâncias talvez devessem ser tomados em consideração quando dos frequentes anúncios de renúncia de receita por parte do Estado do Acre.
Se Raphael estava certo, tão certo quanto ele está a
“República do TCE”. Aí reside nosso dilema.
Se é correto o entendimento de que aumento do investimento público propiciaria a elevação da atividade econômica no nosso Estado, também é verdadeira a constatação que a Administração perdeu a capacidade de promover este investimento de forma sustentável.
Seja pela gestão fiscal ineficiente, seja pela profunda alteração da conjuntura econômica, o fato é que a crise chegou, se instalou e não dá sinais de que pretende ir embora. O desafio de aumentar investimentos passa a disputar espaço com o desafio de conseguir pagar salários, manter funcionando minimamente serviços básicos.
As contas públicas começaram a entrar em colapso.
Os números oficiais do Estado indicam dados preocupantes. Em 2018, pela metodologia “abaixo da linha”, que considera basicamente a variação do endividamento, observou-se um déficit de aproximadamente 353 milhões de reais. Em palavras mais simples, o Estado encerrou o ano devendo 353 milhões de reais a mais do que devia no ano anterior. Analisando as contas pela metodologia “acima da linha” observa-se que o resultado primário (esforço fiscal para gastar menos do que arrecada e reduzir a dívida) não é suficiente sequer para pagar integralmente os juros passivos.
A dívida consolidada saiu de aproximadamente 3,6 bilhões para 4,016 bilhões de reais, revelando trajetória absolutamente insustentável, pois o resultado primário não é suficiente sequer para pagar os juros e manter a dívida, pelo menos, estável. No popular, fechamos 2018 descendo ladeira abaixo.
Noutra quadra, o ACREPREVIDÊNCIA consolidou-se como uma tragédia fiscal sem solução aparente e que só tende a piorar com o passar dos anos. O passivo atuarial ao final de 2018 foi de 15,5 bilhões de reais, mais do que o triplo da receita corrente líquida do Estado em todo o exercício de 2018. Comenta-se que o défict mensal é próximo de 50 milhões de reais.
Este é o dilema dos nossos dias: é inequívoca a necessidade de estimular a atividade econômica, mas a Administração Pública não tem encontrado condições de fazê-lo. O cenário é difícil e não está muito claro qual o plano para sairmos dessa situação.
O Estado do Acre tem uma agenda ampla a ser estudada e implementada, mas isso não ocorrerá sem custos e sacrifícios no curto prazo. Não há solução mágica para resolver nosso problema fiscal, infelizmente. Resta-nos torcer pelo imponderável e permanecer confiantes. Enquanto isso, que surjam outros como o Raphael e que a “República do TCE” continue firme. Nestas contradições dos nossos dias, ainda não está claro qual é o melhor caminho para volta do desenvolvimento econômico e social, se é que temos oportunidade de escolha...
*Edson Rigaud Viana Neto é
especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia e em Direito Tributário e Processo Tributário.
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“Desfulanizando” a exoneração de Raphael Bastos. A crise fiscal e os dilemas para promoção do desenvolvimento
Edson Rigaud Viana Neto