O ano era 2013. As forças de Segurança do Estado, sob o olhar atento das instituições judiciais, movimentaram as ruas de Rio Branco com uma operação que, até então, seria um duro golpe contra as organizações criminosas que começavam a se fixar em solo acreano.
Numa manhã de sexta-feira, 1º de fevereiro daquele ano, a população de Rio Branco acordou com uma centena de policiais civis e militares nas ruas da capital, na operação batizada de Diáspora. No entanto, apesar do alarde à época, a ação — que teve início um ano antes de sua deflagração — não surtiu o efeito esperado.
Atualmente, a força imposta pelas organizações criminosas, por meio do medo e da violência exacerbada, tem deixado a população acreana apavorada e o Estado de joelhos diante das cenas aterrorizantes que circulam quase diariamente nas redes sociais.
O drama vivido por centenas de famílias que residem no Conjunto Habitacional Cidade do Povo (CDP) não surgiu agora. É o resultado de anos de descaso, da inércia do poder público e até mesmo do negacionismo daqueles que, em 2013, afirmavam ter “extirpado” as células criminosas por meio da operação.
Devido à proximidade com Bolívia e o Peru, o Acre sempre foi usado como entreposto e rota de passagem para grupos criminosos que utilizavam as fronteiras acreanas para o tráfico internacional de drogas e armas. As autoridades sempre souberam disso e monitoravam a movimentação dos traficantes. Porém, a partir do momento em que o Acre passou a ser visto como ponto estratégico para a expansão da rede do comércio ilegal, as facções iniciaram o processo de implantação de células criminosas no Estado.
O latrocínio — roubo seguido de morte — de um empresário foi o estopim que revelou uma rede criminosa até então vista apenas nos noticiários nacionais, impensável no pacato e sossegado Estado do Acre.
O caso Le Napoleon
O relógio marcava 5h30 de um domingo, 30 de setembro de 2012, quando quatro homens armados invadiram a boate Le Napoleon, uma das mais badaladas de Rio Branco, com o objetivo de roubar a renda da noite anterior.
O resultado da ação foi a execução do empresário Alexandre Baybon, morto a tiros em uma rua atrás da boate enquanto tentava fugir. Seu filho, Hassan El-Vien Baybon, então com 25 anos, foi baleado no pé e agredido com coronhadas ao tentar defender o pai. Um segurança também foi agredido. Os criminosos fugiram levando apenas R$ 500.
Durante as investigações, conduzidas pelo então jovem delegado Alcino Ferreira Júnior, um celular apreendido deixado pelos bandidos foi o ponto de partida para a descoberta dos “batismos” de criminosos que ingressavam na facção Primeiro Comando da Capital (PCC), a primeira a instalar células no Estado. Essa descoberta deu origem à Operação Diáspora.
A revelação sobre a atuação do PCC no Acre foi inicialmente rechaçada por gestores da Segurança Pública, que desacreditaram o delegado, mesmo diante de indícios. Esse foi o primeiro ato de negacionismo.
O segundo foi quando, após a deflagração da operação, a cúpula da Polícia Civil afirmou que “nenhum estado teve uma ação tão eficaz para impedir a ramificação da facção criminosa como a que foi feita no Acre”, acreditando que o problema havia sido “erradicado”.
Cidade do Povo: entre promessas e abandono
Paralelamente, a construção do principal conjunto habitacional do Acre, o Cidade do Povo, seguia em ritmo acelerado. As unidades seriam destinadas às famílias de áreas de risco de todas as regionais da capital.
Em 2014, com a inauguração do conjunto habitacional, famílias em situação de vulnerabilidade começaram a ser realocadas para as casas construídas numa parceria entre os governos estadual e federal. Nesse período, forças policiais tentavam combater a criminalidade, mas suas ações eram ineficazes. Enxugavam gelo.
A expansão do crime
Em 2015, dois anos após a Operação Diáspora, o PCC já se fazia presente de forma mais explícita. Explosões e arrombamentos de caixas eletrônicos passaram a ocorrer, assim como o aumento dos assaltos.
Foi em outubro daquele ano que Rio Branco e cidades vizinhas começaram a vivenciar o poder das facções. A morte de Denis Fortunato de Souza, de 25 anos, e Fábio Andrade de Araújo Pereira, de 32 anos, desencadeou uma série de atos violentos. A dupla havia assaltado uma clínica médica e foi morta por um policial à paisana que estava no local. Outros dois suspeitos fugiram.
Na madrugada seguinte, quatro carros e dois ônibus foram incendiados, numa reação coordenada dos criminosos.
Com a expansão do PCC em solo acreano, nasceu dentro dos presídios do Estado o Bonde dos 13 (B13), um grupo formado por traficantes e assaltantes locais que não aceitavam a subordinação ao comando paulista.
O racha e a guerra
Em 2016, o rompimento entre CV e PCC — que antes atuavam juntos — refletiu no Acre. O Comando Vermelho chegou e iniciou uma disputa por território. O PCC, em menor número, uniu-se ao B13, iniciando uma guerra marcada por execuções, decapitações e mortes com requintes de crueldade, muitas vezes filmadas e compartilhadas em redes sociais.
Mais uma vez, a omissão do poder público permitiu o avanço do crime organizado.
Com o passar dos anos, os indicadores de crimes violentos aumentaram, ainda que tentem ser mascarados pelos órgãos de segurança. Hoje, o Comando Vermelho domina mais de 80% do território acreano.
A Cidade do Povo e outros conjuntos habitacionais se tornaram símbolo do abandono. Famílias desassistidas, alocadas em regiões vulneráveis, acabaram expostas ao confronto diário entre facções que disputam o controle do território.
Os recentes episódios de violência e mortes na CDP são o reflexo de uma década marcada por inércia, negacionismo e descaso.