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Situações Crônicas - Por Daniel Zen

A continuidade do perigoso flerte com o fascismo

A continuidade do perigoso flerte com o fascismo

Tenho visto parlamentares acreanos, eleitos em 2022 que, empavonados com seus votos e encantados com suas próprias vozes, insistem na adesão à teses neofascistas apenas para agradar a massa do eleitorado acreano, de maioria bolsonarista. É o caso da reação desmedida destes, contrária ao Decreto n° 11.366, assinado pelo presidente Lula já em 1° de janeiro de 2023 e que visa corrigir distorções na política de flexibilização do acesso a armas de fogo no Brasil.

Antes de falar do conteúdo do decreto em si e me contrapor à posição dos parlamentares em questão, digo que não sou contra alguém possuir uma arma de fogo, para sua defesa pessoal ou de sua família. Mas, a banalização do acesso a armas e munições de uso restrito e o excesso de armas e munições de uso permitido, nas mãos de civis, só servem para duas coisas: ampliar o número de acidentes fatais, sobretudo com crianças e desviar armas compradas legalmente para o crime. Senão vejamos:

Segundo estudo do Instituto Sou da Paz, entre 2017 e 2022, a participação dos fuzis entre as armas apreendidas saltou 50% em São Paulo e 16% no Rio de Janeiro. A proporção de pistolas, também autorizada para civis, aumentou 31% em São Paulo e 32% no Rio. A partir da flexibilização, iniciada em 2019, do total de armas apreendidas nas mãos de bandidos, uma grande parte passou a ser de armas adquiridas legalmente e depois roubadas de colecionadores, atiradores e caçadores (CACs); ou, principalmente, compradas por laranjas ou falsos CACs e repassadas a facções e organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas. Para o pesquisador Bruno Langeani, do mencionado instituto, a flexibilização resultou não só em uma facilitação de acesso, para civis, a armas antes restritas e de uso controlado, mas em uma mudança rápida do perfil do arsenal nas mãos desses criminosos.

Significa que, com a flexibilização, o poder de fogo do arsenal do crime foi severamente ampliado, tornando-se mais moderno e mais potente. É isso que tem que mudar e é sobre isso que trata o Decreto n° 11.366/2023. Ele não dificulta o acesso do cidadão comum a armas de uso permitido: apenas reduz a quantidade de armas e munições que se pode adquirir. O que o novo decreto dificulta é o acesso a armas de uso restrito, tais como fuzis, metralhadoras e submetralhadoras, por exemplo. E dificulta na medida em que apenas suspende (e não cancela) o registro de aquisição e transferência desse tipo de armamento, bem como o registro de novos clubes ou escolas de tiro e de novos CACs, até que uma nova regulamentação seja editada pelo Ministério da Justiça. As razões para isso são muito simples:

Se, em face da ineficiência das forças de segurança pública, a grande reivindicação das pessoas - motivo e razão da flexibilização do acesso a armas de fogo - era poder possuir uma arma para sua autodefesa, ter a posse de 3 armas e munições equivalentes está de bom tamanho, não? Isso está assegurado pelo novo decreto.

Já em se tratando de CACs, não é saudável se permitir que civis detenham um verdadeiro arsenal de guerra em casa, com armas de uso exclusivo das Forças Armadas e policiais, correndo-se o risco de que as mesmas sirvam para reforçar o arsenal de facções, milícias ou caiam nas mãos de desvairados dispostos a explodir bombas em aeroportos, planejar golpes de Estado ou, por que não dizer, pedir intervenção militar e o fim da democracia em atos antidemocráticos na porta de quartéis Brasil afora.

Os atos criminosos, atentatórios contra a democracia, recheados de terrorismo e vandalismo, que ocorrem em Brasília nesse domingo, 08/02, a nos lembrar o episódio golpista do Capitólio no EUA, são a prova cabal do que estou afirmando.

Aos parlamentares que continuam a flertar com o fascismo, mesmo após já terem obtido o sucesso desejado nas urnas em um Estado de eleitorado eminentemente conservador e de direita, tenho apenas duas coisas a dizer:

Em primeiro lugar, um conselho: essa adesão de vocês a discursos e narrativas extremistas, de pendores fascistas e conteúdos que bordeiam o crime, com interesse meramente eleitoreiro é um preço que não vale a pena pagar. Parafraseando a ministra Marina Silva, é melhor perder uma eleição do que perder o juízo. Em segundo lugar, um aviso: essas bravatas não nos intimidam. Se a ideia é pagar de gatão, botar banca de gostoso ou meter a braba, anotem aí: nós não temos medo de vocês!

*Daniel Zen é doutorando em Direito pela UnB, mestre em Direito pela UFSC, advogado e professor do Curso de Direito da UFAC. É contrabaixista da banda de rock Filomedusa, ativista do Circuito Fora do Eixo, colaborador da Mídia Ninja e colunista do site Notícias da Hora. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..