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Papo de Cafezinho - Por Jairo Carioca

Enchente extrema expõe o racismo ambiental em meio a um jogo escorregadio de arranjos políticos

Enchente extrema expõe o racismo ambiental em meio a um jogo escorregadio de arranjos políticos

Um estado mais negro e indígena de famílias vulneráveis absorve e sofre com os impactos da segunda maior crise climática registrada até aqui com as cheias do rio Acre e o fenômeno amazônico que ocorre nos igarapés conhecido como repiquetes.

Os dados do IBGE sobrepostos a alguns destes principais desastres revelam a cor e a raça predominante nas áreas afetadas. O tema: racismo ambiental chegou a COP 27. Marina Silva, Célia Xacriabá e membros da Coalizão Negra por Direitos chamaram a atenção do mundo para o problema que afeta toda a Amazônia.

O epicentro da cheia do Rio Acre e das enxurradas dos igarapés foi Rio Branco. A capital com 400 mil habitantes, tinha 3.321 desabrigados pela cota de 17m71, do rio Acre, das 6 horas desta segunda-feira, dia 3. E olha que o total de pessoas atingidas e desalojadas pelas cheias diminuiu com a normalidade no nível das águas dos igarapés.

“O rio sinalizou uma vazante”, disse por telefone o Ten. Cel. Falcão, coordenador da defesa civil municipal.

Voz cansada, meio embargada. Entre uma tarefa e outra, ainda em socorro às vítimas, o especialista da defesa civil (DC) comentou dados surpreendentes.

No mês de março choveu 580 mm, cento e cinco por cento a mais do que o esperado, 270 mm. Em um único dia, quando começou a crise climática, dia 23 de março, choveu 186 mm, o que corresponde a 70% do que era esperado pelos órgãos de controle e 32% do total de chuvas em março.

Ainda de acordo o coordenador da DC, em sua forma, essa é a maior crise climática desde 2015, são mais de 60 mil acreanos atingidos na zona urbana e zona rural em cinco cidades cortadas pelo rio Acre. Danos econômicos ainda não contabilizados em sua totalidade, afetam ainda mais essa crise.

Se por um lado os relatórios revelam a cor e a raça da maioria dos afetados por essa emergência climática, por outro, os especialistas da DC ainda não sabem que fenômeno – embora estejamos em pleno inverno amazônico – provocou essa intensidade de chuvas.

O Grupo de Trabalho criado pelo Palácio Rio Branco em parceria com o CREA-AC com o anuncio dos estudos hidrológicos das bacias do rio Acre e do igarapé São Francisco parece ser a única luz no fim do túnel. O governador Gladson Cameli vem agindo como um grande capitão, puxou para o estado algumas responsabilidades no socorro às vítimas das enchentes em todos os municípios afetados pelas cheias.

Fora isso, o que se ver é um jogo de escorregadio político.

Para se ter uma ideia, drenagem e o manejo de águas pluviais urbanas são componentes do saneamento básico, mas, por serem obras consideradas invisíveis, tem poucos recursos destinados se comparados com os projetos visíveis que tem maior potencial de angariar votos em períodos eleitorais.

O saneamento é considerado um potencial de investimentos no Brasil, principalmente, após o Marco Legal do Saneamento Básico (14.026/2020), sancionado em julho de 2020 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), estabeleceu metas para a universalização dos serviços de água e esgoto, e buscou atrair investimento privado para o setor.

Cameli tem razão quando também afirma que esse é um assunto que exige a união de todos. A bancada acreana, empoderada com a coalizão do governo Lula, com direito a investimentos anuais de R$ 700 milhões, precisa entrar em ação. Comemorar esse aporte financeiro é muito pouco. Isso precisa ser transformado em grandes projetos para o bem coletivo. Serão R$ 2,8 bilhões em quatro anos. As emendas são impositivas.

O prefeito Tião Bocalom precisa urgentemente apresentar um projeto de drenagem urbana capaz de captar recursos federais ou até mesmo através de empréstimos. Enchente e enxurrada são assuntos que não suporta mais debate. Algo precisa ser feito e urgente. Há ainda, projetos habitacionais que podem ajudar a tirar as famílias das áreas inundáveis. Fala-se tanto em dignidade.

Enquanto isso, o rio que desabriga e que assusta, virou cartão postal. As áreas ainda não alagadas próximas da gameleira abrigam dezenas de famílias para assistir ao pôr do sol. O manancial virou capa de jornal. Fotos aéreas disputam as manchetes do jornalismo digital.

A foto acima é do fotógrafo Lúcio Távora, correspondente no Brasil da A Xin Hua, agência de notícias internacional e o maior grupo de comunicação da China que vem mostrando a tragédia no Acre para o mundo.

 

Jairo Carioca é jornalista e assessor de imprensa.