Na minha opinião, a Ferrovia Transoceânica é o projeto mais ambicioso de integração física da história recente da América do Sul. Representa a maior oportunidade de modernização da infraestrutura logística da Amazônia, uma região que ainda vive um profundo isolamento — tanto em relação ao restante do Brasil quanto entre seus próprios territórios.
A ferrovia ligará o Atlântico ao Pacífico, atravessando a Amazônia e os Andes até o porto de Chancay, no Peru. Mais do que um corredor logístico, ela simboliza uma mudança de eixo geopolítico: o Brasil, historicamente voltado para o Atlântico, começa a olhar para o Pacífico — e, com isso, a Amazônia passa de periferia a centro da estratégia nacional.
Durante séculos, o país cresceu de costas para o oeste. O mapa do desenvolvimento sempre teve o litoral como ponto de partida. Agora, esse caminho pode se inverter. Com o Pacífico como novo horizonte, a Amazônia — especialmente sua porção ocidental — deixa de ser o “fim da linha” e passa a ser a linha de partida do Brasil rumo à Ásia.
Essa inversão de perspectiva tem enorme peso estratégico. Hoje, cerca de 38% das exportações brasileiras têm como destino a Ásia, e a China sozinha responde por quase 30% de tudo o que o Brasil vende ao mundo. No entanto, a maior parte dessa carga ainda cruza o Atlântico e o Canal do Panamá — um percurso de quase 20 mil quilômetros. Com a ferrovia, essa distância pode cair pela metade, resultando em economia de até 12 dias no transporte e consequente redução nos custos logísticos.
Mas o impacto vai além dos números. A ferrovia inaugura um novo capítulo na geopolítica do Brasil, integrando regiões até hoje isoladas da floresta. Contudo, é importante ser realista: o projeto ainda está em fase de estudos e negociações bilaterais. Em 2025, Brasil e China firmaram memorandos de entendimento para aprofundar os estudos técnicos.
Os desafios, portanto, são dois: evitar que essa promessa siga o roteiro de tantas outras grandes obras amazônicas — anunciadas em nome do progresso, mas que não se concretizaram — e construir políticas produtivas e sociais integradas, garantindo que o desenvolvimento resultante traga prosperidade real para quem vive aqui.
Na Parte II, vamos tratar justamente desse ponto: o que deve acontecer às margens dos trilhos — onde podem nascer cooperativas, agroindústrias e comunidades produtivas — e como a agricultura familiar pode transformar a ferrovia em um vetor de desenvolvimento e inclusão econômica, logística e de infraestrutura das cidades em um mesmo projeto de futuro.