(À minha amada)
Aprendi cedo, nos fins de semana que me salvavam da ansiedade da cidade, que as relações mais profundas não são de posse. Há lugares, como talvez haja descobertas, que não podemos ter, pois já pertencemos a eles. Meu corpo de menino pertencia àquelas árvores centenárias, meu silêncio pertencia à cumplicidade de um amigo indígena e ao seu canto de ave, que era o meu nome secreto. A terra ensina em silêncio a lição do pertencimento.
Mas a vida, com seus ruídos e exigências, por vezes nos faz esquecer a língua nativa da alma. Houve um tempo em que, diante da selva escura, onde a maioria busca atalhos, eu fiz uma escolha. E, ouso hoje dizer, mais só que o antigo poeta, pois não havia um Virgílio para me estender a mão, nenhum guia para me apontar o caminho e me assegurar do destino. Foi uma escolha de absoluta e vertiginosa solidão: a de entrar no inferno sem qualquer outra companhia senão as próprias dores, com a única esperança de que, ao atravessá-lo, eu me tornaria digno da luz que, em algum lugar, talvez existisse.
E então, numa noite qualquer dessa travessia, quando o céu parecia apenas uma escuridão habitual, ele se rasgou. Não um cometa de aviso ruidoso, mas o traço silencioso e incandescente de uma estrela cadente. Um instante de beleza pura que suspende o tempo e nos deixa, por um momento, sem ar.
Dizem que ao fim do arco-íris há um tesouro de caminho fácil. Mas as estrelas cadentes são mais misteriosas. Não apontam um destino; deixam apenas o rastro de sua luz e a pergunta que pulsa no peito: onde teria pousado tamanha beleza? A busca começou, então. Não era mais a errância cega do inferno, mas a subida laboriosa de quem anseia pelo cume. Cada passo, uma purgação; cada olhar para o alto, uma prece silenciosa por um sinal, um indício de onde a graça havia pousado.
Os poetas contam que é preciso escalar toda a montanha da purgação para, só no topo, rever a face amada e vislumbrar o paraíso. Talvez a minha sorte tenha sido outra. Pois foi no meio da subida, quando a jornada ainda era íngreme, que encontrei o lugar onde a luz pousara. E compreendi que o paraíso não era apenas um prêmio a ser conquistado no fim, mas uma presença que transformava a própria subida, que redimia cada esforço com a sua simples existência, inaugurando uma espécie de rua fora do tempo.
Nessa rua iluminada, a antiga paisagem de sombras ganhou contornos, cores, profundidade. A presença dessa nova clareza trouxe uma solidez que eu desconhecia. O mundo, que eu tantas vezes observei com a distância de um estrangeiro, tornou-se novamente um lugar digno de admiração. E a vida, curiosamente, passou a significar mais e menos. Mais beleza, mais cumplicidade, mais sentido. E menos peso, menos ruído, menos da antiga e resignada solidão.
Hoje, compreendo. Não ouso apontar caminhos, pois cada alma tem sua própria e singular travessia. Mas posso falar da minha vitória: a de um semideus que escolheu entrar só na escuridão e que encontrou seu paraíso não como um destino, mas como a própria jornada. Um paraíso que é a força de amar o próprio destino, de olhar para cada cicatriz da subida e dizer um retumbante "sim".
E essa luz, a da estrela que encontrei, me ensinou a mais feliz e vigorosa das tarefas. Com toda a minha força, agora me vejo a carregar minhas pedras favoritas montanha acima. Sei que elas rolarão para baixo antes que o cume seja alcançado, como no mito antigo.
Mas minha vitória não reside na esperança de um dia deixá-las no topo. Reside na alegria e no cuidado de carregá-las outra vez, a cada novo dia, enquanto eu puder, enquanto estiver vivo. Pois o meu paraíso é este: a cumplicidade de amar a própria luta, guiado por uma luz que não promete descanso, mas que dá um sentido luminoso a cada passo deste eterno e feliz recomeço.
Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.