No Brasil político, parece que existe uma lei oculta determinando que toda crítica precisa caber em duas palavras. É como se os políticos tivessem abolido longas argumentações em nome do criativo e prático pacote: um adjetivo mais um substantivo. Ou, às vezes, só dois adjetivos mesmo, daqueles que grudam feito chiclete no cotidiano do debate público.
Um líder governista comenta um projeto vindo do outro lado do plenário e, pronto, está criado o rótulo: “pauta-bomba”. Duas palavras, um impacto. Não importa se o texto tem 150 páginas e forte fundamento constitucional. A discussão vira um artefato de curto pavio, com etiqueta colada na ementa do texto.
Em outro caso, quem dispara é um senador do alto clero, ao criticar o Executivo por retardar mensagem ao Senado sobre um nome indicado ao Supremo: “interferência indevida”. Dois termos e toda a tensão institucional ganha uma cara ainda mais sisuda.
Em mais uma dessas, um deputado da oposição, ao reagir a um projeto de elevação de impostos para super-ricos, em discussão na Câmara, não hesita: “governo perdulário”. Dois vocábulos, uma acusação pesada, e o debate econômico vira rótulo político.
Na tribuna, outro legislador, comentando a ação de segurança pública no Rio, dispara: “operação desastrosa”. “Desastrosa” de cara, nem precisa de meio termo nem relatório longo. 
E não faltam versões positivas. Quando o governo comemora uma vitória, surgem expressões como “virada histórica”, “momento decisivo”, “avanço concreto”. Duas palavras que pretendem resumir esperança e poder de governabilidade.
O curioso é que esse modelo é democrático: vale para centrão, governo e oposição. Todo mundo segue o mesmo ritual. Basta uma entrevista, uma coletiva ou um comentário no cafezinho do Congresso. A pauta pode ser segurança pública, economia, educação ou o preço do café — que por sinal tem baixado consideravelmente —, sempre haverá alguém pronto para resumir tudo em um pequeno pacote linguístico: “retrocesso absurdo”, “invenção eleitoreira”, “gestão desastrosa”, “crise institucional”, “promessa vazia”, “ato irracional”, “afronta inaceitável”, “lambança legislativa”. O que importa não é o argumento, é a repetição.
Seria quase poético, se a poesia aceitasse tanta ironia. O Congresso parece sobreviver entre essas pequenas bombas de efeito verbal, lançadas diariamente para que a plateia, do sofá ou do celular, escolha rapidamente quem está certo, quem está errado, quem fez bonito e quem sofreu uma derrota política.
No fundo, talvez seja uma confissão involuntária: em vez de discutir ideias complexas, grandes temas nacionais, muitos preferem transformá-los em slogans de duas palavras, fáceis de repetir e difíceis de esquecer. A política vira um campeonato de criatividade adjetival, e nós, espectadores, ficamos ali, torcendo para que um dia alguém resolva explicar o que realmente está por trás daquelas duas palavrinhas mágicas.
Até lá, seguimos colecionando as expressões que surgem como manchetes instantâneas. Quem sabe, no futuro, algum linguista escreva um manual dos rótulos políticos brasileiros. Aposto que venderia bem. Afinal, nada define melhor nossa vida pública do que esse hábito de transformar tudo em duas palavras firmes, afiadas e prontas para uso imediato.
Romisson Santos é cronista
