Nos últimos tempos, tenho refletido muito sobre os rumos da nossa luta dentro do Partido dos Trabalhadores, especialmente no Acre. A verdade é que os desafios que enfrentamos hoje são distintos dos que nos forjaram. Nossa luta se tornou mais complexa e, por vezes, mais solitária, por conta das novas relações sociais que se impõem sobre a política e sobre a própria vida partidária.
Na origem da nossa ascensão, havia pilares sociais muito concretos: a luta pela terra — personificada na figura de Chico Mendes e na resistência seringueira —, o descontentamento dos servidores públicos, que depositavam nos sindicatos a confiança de que, através da luta, poderiam conquistar dias melhores, e os movimentos eclesiais de base, pautado na opção preferencial pelos pobres e na prática da fé comprometida com a justiça social. Esses foram os alicerces sociais que deram origem ao PT e que nos deram sustentação e legitimidade.
Hoje, a luta pela terra ainda existe, mas perdeu a centralidade que teve. O foco se deslocou: a reivindicação agora é por condições concretas de produção, de acesso ao crédito, à assistência técnica, à infraestrutura. Já o funcionalismo público, que antes clamava por condições de trabalho e valorização, viu seus pleitos serem em parte atendidos. Os salários, embora não ideais, são razoáveis. A estabilidade e os direitos conquistados tornaram essa categoria uma espécie de classe média acreana.
Os sindicatos de servidores públicos, por sua vez, reduziram seu horizonte de luta à reposição da inflação. Ano após ano, a pauta é a mesma. A disputa econômica, que deveria nos provocar e nos convocar à ação, foi sendo engolida pela retórica vazia ou pela negação da realidade. O discurso das “florestas em pé” como eixo central já não mobiliza como antes, porque os números e a realidade concreta da população não podem mais ser ignorados.
Enquanto isso, o agronegócio se tornou encantador. Produz, lucra, gera empregos — ainda que nem sempre com justiça social. Parte da sociedade acreana se viu diante de uma falsa dicotomia: ou a floresta ou a produção. E nós, ao invés de superar essa dualidade com uma proposta concreta de desenvolvimento, nos posicionamos — ou, por vezes, parecemos nos posicionar — de um lado, em oposição ao outro. Perdemos o elo com a maioria.
Na dimensão ideológica, priorizamos o debate identitário — legítimo, necessário, mas que não substitui a luta de classes. Fechamo-nos em bolhas, em discursos de afirmação que muitas vezes dialogam apenas com os já convencidos, enquanto o povo se distancia. Esquecemos o essencial: quem quer mudar a realidade de uma sociedade precisa ser parte dela, se comunicar com ela, precisa apresentar soluções para os desafios do dia a dia a partir da própria sociedade.
Passamos a viver da comparação entre o passado e o presente, esquecendo que existe um futuro a ser construído. E cometemos um erro estratégico grave: transformamos antigos aliados em adversários. Aqueles com quem ganhamos, governamos e construímos vitórias históricas hoje são tratados com desdém — a menos que se prontifiquem a nos bajular pelo que já fizemos. Como se a política majoritária não exigisse alianças, diálogo, reconhecimento de erros, humildade e reconstrução de pontes.
Nos esquecemos de que é possível manter os princípios sem abrir mão da conversa. O maior exemplo disso é o presidente Lula, que venceu eleições e governou o Brasil dialogando com amplos setores da sociedade — sem medo de construir alianças, sem abrir mão da sua identidade, mas com a sabedoria de quem entende que transformar exige maioria.
A verdade é que, muitas vezes, olhamos com desconfiança até para nossos próprios companheiros. Alimentamos uma cultura interna de purismo político que nos isola e nos enfraquece. Mas, apesar de tudo isso, há quem diga: “tá de boa!”. Afinal, temos a consciência tranquila. Mas será que isso basta?
Porque, sejamos honestos: se não queremos mais conversar, se nos satisfaz apenas afirmar que fomos melhores, então não estamos mais na política para transformar. Estamos apenas para lembrar o que já fomos. E isso, companheiros, não é suficiente para quem ainda acredita que a política deve ser instrumento de mudança real na vida das pessoas.
Nossa disputa nunca foi — e nunca será — apenas pelo poder. É pelas mudanças que ele pode proporcionar. Porque quem tem consciência, tem responsabilidade. E essa responsabilidade exige luta, coragem e disposição para mudar — inclusive a nós mesmos.
*Militante do PT, Presidente licenciado do PT/Acre e Secretário de Articulação Institucional da Executiva Estadual do PT/Acre