A política brasileira atravessa um de seus momentos mais emblemáticos de ironia histórica. Alexandre de Moraes, nomeado ao Supremo Tribunal Federal por Michel Temer — presidente que chegou ao cargo após o golpe parlamentar de 2016 — tornou-se o principal responsável pela contenção institucional da extrema-direita que nasceu justamente daquele rompimento democrático. A responsabilização de Jair Bolsonaro, Carla Zambelli e demais golpistas pelo planejamento da tentativa de golpe de 2022 escancara o paradoxo: quem criou a criatura, agora teme o monstro.
O impeachment de Dilma Rousseff não foi um processo de responsabilização legítima, mas uma manobra de elites conservadoras articuladas com o Congresso fisiológico, a mídia tradicional e setores do Judiciário. O desmonte das instituições democráticas é frequentemente legitimado por discursos de legalidade, ainda que corroam a soberania popular. Em suma, o que o Brasil viveu exatamente foi um "ajuste institucional" para servir aos interesses do mercado, travestido de moralidade fiscal.
Temer, alçado pela lógica de governabilidade sem povo, nomeou Alexandre de Moraes — então seu ministro da Justiça — para o STF. O Centrão, sustentáculo do golpe e expressão máxima do fisiologismo político, chancelou essa escolha. E foi esse mesmo Centrão que, anos depois, sustentou o bolsonarismo até o colapso.
A tentativa de golpe de 2022, desnudada por investigações conduzidas por Moraes, foi o ponto culminante de uma deterioração institucional que começou em 2016. Rupturas institucionais nem sempre se dão por tanques nas ruas, mas por dentro das regras, torcidas até romperem. Bolsonaro e seus aliados tentaram destruir a democracia usando os próprios instrumentos democráticos — e fracassaram diante de um STF que, ironicamente, foi moldado no calor do próprio golpe.
Foi nos ensinado que a democracia precisa de instituições que exerçam vigilância sobre o poder e o protejam de seus desvios. Alexandre de Moraes, gostem ou não, cumpriu esse papel. A direita que o ataca hoje é a mesma que o colocou lá. Quem planta instabilidade para colher poder, invariavelmente será vítima da instabilidade que semeou.
Diante de tanta ironia, hoje, Dilma Rousseff preside o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, discutindo acordos bilionários entre China, Rússia, Índia, Brasil e África do Sul — enquanto seus algozes tropeçam nos próprios escombros morais e jurídicos. Jair Bolsonaro, que votou pelo impeachment homenageando um torturador, agora é investigado por tentativa de golpe, inelegível, prestes a encarar novas ações penais, usando tornozeleira eletrônica e em prisão domiciliar. A presidente afastada sem crime governa ao lado de potências globais, enquanto os “salvadores da pátria” imploram habeas corpus e vendem discurso golpista por cliques. O tempo, como sempre, tem um senso de justiça mais afiado que certas instituições.
Já a maior de todas as ironias é: se Dilma Rousseff não tivesse sofrido golpe, Alexandre de Moraes não seria ministro do STF. O Brasil vive a prova de que a história não perdoa os que traem a democracia — ela apenas demora a ajustar suas contas.
*Tácio Júnior é jornalista, pela Universidade Federal do Acre, acadêmico de sistemas para internet, pelo Instituto Federal do Acre