O recente discurso do prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom, em Marechal Thaumaturgo, escancarou mais uma vez a visão ultrapassada que parte das lideranças políticas do Acre insiste em repetir: a ideia de que os povos indígenas e as unidades de conservação seriam entraves para o desenvolvimento do estado. Para quem vive a realidade dos territórios tradicionais e sabe o que significa viver com dignidade em meio à floresta, essa narrativa não se sustenta.
Enquanto nas cidades acreanas aumentam a fome, o desemprego e a violência – muitas vezes controladas por facções criminosas –, os territórios indígenas e extrativistas do Alto Juruá continuam sendo espaços de segurança alimentar, equilíbrio ecológico e resistência cultural. As pessoas não estão passando fome nas aldeias ou nas reservas extrativistas. Isso é resultado de uma relação milenar com a floresta e dos modos próprios de organização que garantem o sustento sem precisar destruir o que garante a vida.
O prefeito deveria visitar uma terra indígena antes de opinar sobre o que não conhece. Fica fazendo fotos simbólicas com arroz, como se aqui estivesse tudo em escassez, quando a verdadeira miséria está nos centros urbanos que ele mesmo deveria governar com seriedade. Na cidade, Rio Branco, por exemplo, o que vemos é gente jogada nas ruas, sem casa, sem apoio do Estado, sem política pública. Isso sim é abandono. Isso sim é atraso.
E há um ponto fundamental que não pode ser ignorado: a destruição da floresta compromete diretamente o abastecimento de água nas cidades. Quando Bocalom ataca as áreas preservadas, ele está, na prática, colocando em risco os rios e mananciais que abastecem Rio Branco. O desmatamento desregula o ciclo das águas, afeta nascentes e pode tornar real um cenário onde o Rio Acre – já ameaçado pelas secas severas – não consiga mais atender à demanda da população. É disso que ele deveria estar cuidando como gestor público: de garantir um plano de segurança hídrica, com reservatórios e ações que assegurem água para o povo em tempos de crise. Mas, ao invés disso, prefere alimentar discursos contra a floresta.
A floresta que ele ataca é justamente o que ainda sustenta o Acre diante da emergência climática e das desigualdades que aumentam. Derrubar a floresta, como propõe, é abrir caminho para mais pobreza e desastres. Não se planta dignidade com desmatamento. Não se gera emprego com discurso de ódio à diversidade cultural e ambiental. E não se constrói futuro transformando o estado inteiro em pasto.
Para um estado como o Acre, marcado pela pluralidade de povos, saberes e modos de vida, não cabe um projeto político que ignora essa riqueza. Não aceitaremos que transformem nosso território em uma grande fazenda. Vamos seguir lutando pela proteção das nossas terras, das nossas águas e das nossas florestas. Porque é nelas que está a verdadeira possibilidade de futuro para todos – inclusive para aqueles que ainda insistem em não enxergar.
Antes de seguir propagando desinformação sobre o que não conhece, convido o prefeito Tião Bocalom a visitar minha comunidade. Não para um confronto, mas para um diálogo real. Que venha ao nosso território, veja com seus próprios olhos como vivemos, como produzimos sem destruir, como preservamos e garantimos o alimento na mesa do nosso povo. O convite está feito. Basta coragem para sair do discurso e ouvir quem conhece a realidade.
*Francisco Piyãko é coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ) e liderança do povo Ashaninka.