Em 2009, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 511.961/SP, declarou inconstitucional a exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista.
O voto condutor, do Ministro Gilmar Mendes, consolidou a tese de que o jornalismo não se enquadra no regime jurídico das profissões técnicas: sua essência seria extensão direta da liberdade de expressão e de informação, asseguradas pelos artigos 5º e 220 da Constituição.
Na visão do relator, seguida pela maioria do STF, criar filtros formais, como o diploma, violaria o pluralismo informacional e representaria censura indireta.
Passados 16 (dezesseis) anos, certamente esses fundamentos continuam relevantes. Entretanto, o ambiente comunicacional em que a referida decisão foi tomada não existe mais.
À época, não havia redes sociais com alcance massivo, perfis anônimos operando como veículos de imprensa, algoritmos de viralização ou produção industrial de desinformação.
Hoje, por exemplo, proliferam páginas de Instagram que se apresentam como “notícias”, mas sem qualquer identificação de editor, responsável legal ou CNPJ.
Essas páginas produzem conteúdo sem método, sem checagem, sem compromisso ético e, muitas vezes, sem veracidade, usando a imagem de pessoas como matéria-prima.
E, quando divulgam fake news, a pergunta é inevitável: quem responsabilizar? A plataforma? O dono do perfil? Um anônimo de IP mascarado?
Curiosamente, o voto divergente do Ministro Marco Aurélio, vencido à época, antecipou grande parte desses problemas.
Ele advertia que o diploma funcionava como garantia mínima de responsabilidade e que a retirada completa de filtros poderia gerar “jornalistas de gradações diversas”, sem formação técnica ou ética, com potencial de desorganizar o debate público.
Se naquele momento suas preocupações pareceram excessivas, hoje fazem cada vez mais sentido.
O desafio contemporâneo não é restringir a liberdade de expressão, até porque se trata de fundamento de qualquer democracia, mas se trata de lidar com o vácuo de responsabilidade criado pela ausência de parâmetros mínimos para aqueles que se apresentam como imprensa.
A pergunta não é se o cidadão comum pode opinar (pode e deve), mas se qualquer perfil anônimo pode se autodenominar “portal de notícias” e atuar sem identificação, sem transparência e sem ônus jurídico.
Diante desse cenário, é legítimo questionar se o entendimento do Supremo Tribunal Federal em 2009, adequado àquele momento histórico, ainda responde aos riscos informacionais da era digital.
Talvez não se trate de restabelecer o diploma, mas de revisitar os contornos jurídicos da atividade jornalística profissional, distinguindo liberdade de expressão de exercício qualificado de imprensa.
Ou, quem sabe, caiba ao Congresso avançar, estabelecendo critérios mínimos de identificação, responsabilidade editorial e transparência para quem se apresenta como veículo jornalístico.
O fato é que o país precisa enfrentar, com serenidade jurídica, o problema que está diante de nós: a desinformação institucionalizada por atores que não têm rosto, método ou responsabilidade.
A decisão de 2009 ampliou a liberdade, e agora, em 2025, o desafio é garantir também a responsabilidade, para proteger não o Estado, não as corporações, mas o direito fundamental da sociedade à informação qualificada.
