No último dia 15 de julho, o Brasil assistiu a mais um capítulo do desmonte da Operação Lava Jato. O Supremo Tribunal Federal anulou a condenação de Alberto Youssef, o doleiro que ocupou posição central no maior esquema de corrupção já revelado no país, talvez no mundo.
Youssef não era coadjuvante. Foi figura-chave na engrenagem que envolveu empreiteiras, partidos, estatais e políticos de todas as esferas. Sua “descondenação” representa mais do que um ato jurídico: simboliza a abertura das portas para a reabilitação de dezenas de réus que, como ele, confessaram crimes, delataram comparsas, devolveram milhões aos cofres públicos e foram condenados com base em provas sólidas, validadas por múltiplas instâncias, inclusive pelo próprio STF.
É impossível esquecer o que o Brasil viu: prisões de políticos influentes, empresários poderosos e operadores financeiros; bilhões de reais repatriados; estatais depauperadas; fundos de pensão saqueados. Houve confissões detalhadas, rastreamento de propinas, acordos de leniência e uma fartura de provas materiais. Ainda assim, o processo de desconstrução segue em marcha acelerada.
A já famosa “lista de apelidos” — com personagens batizados de Lindinho, Amante, Botafogo, Amigo do Amigo do Meu Pai, Menino da Floresta, Italiano — hoje soa como piada. Nomes antes associados a escândalos vergonhosos caminham em direção à impunidade, graças a decisões monocráticas de ministros do STF, notadamente de Dias Toffoli, que se tornou o rosto mais visível dessa reviravolta jurídica.
A lista de “descoordenados” não para de crescer:
* Luiz Inácio Lula da Silva
* Alberto Youssef (doleiro)
* Aldemir Bendine (ex-presidente da Petrobras)
* Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara)
* Sérgio Cabral (ex-governador do RJ)
* José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil)
* Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT)
* João Vaccari Neto (ex-tesoureiro do PT)
* João Santana (marqueteiro do PT)
* Mônica Moura (marqueteira do PT)
* Antonio Palocci (ex-ministro da Fazenda)
* Beto Richa (ex-governador do Paraná)
* Marcelo Odebrecht (empresário)
* Léo Pinheiro (empresário)
E muitos outros ainda devem ser adicionados à lista.
Esses nomes não foram inocentados pelos fatos. A anulação de suas condenações ocorre, na maioria das vezes, por supostos vícios processuais, muitas vezes frágeis ou interpretativos, que passaram a se sobrepor ao mérito das acusações. A mensagem é perigosa e cristalina: no Brasil, o crime pode compensar, desde que se tenha acesso a bons advogados, conexões certas e, quem sabe, um "amigo do amigo do meu pai".
As provas deixaram de ser suficientes. As confissões perderam valor. A devolução do dinheiro já não pesa. Em algum momento, tudo pode virar nada jurídico, apagado por uma canetada.
Não se trata aqui de defender excessos ou arbitrariedades. Eventuais abusos devem, sim, ser corrigidos. Mas o que o país presencia não é correção, é revisão seletiva, apagamento histórico e impunidade institucionalizada. Um processo que custou anos de trabalho, mobilizou instituições, recuperou bilhões e, por um breve momento, deu aos brasileiros a esperança de que a lei valeria para todos, está sendo enterrado.
Hoje, essa esperança se desfaz nos despachos de um Supremo que, cada vez mais, parece operar à margem da indignação social. O Brasil, mais uma vez, retorna ao seu ciclo de impunidade premiada, onde o crime não só compensa, como ainda garante blindagens luxuosas para quem sabe jogar o jogo do poder.
Wherles Rocha é policial militar da reserva, ex-deputado estadual, ex-deputado federal, ex-vice-governador do Acre e autor de inúmeras denúncias contra corruptos — entre elas, as relacionadas ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia, que resultaram na condenação de Luiz Inácio Lula da Silva. Essas condenações foram confirmadas em três instâncias do Judiciário, mas posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que a Vara Federal de Curitiba era incompetente para julgar as ações.