Neste domingo, 6 de abril, manifestações voltam a ocupar as ruas do Brasil, com epicentro simbólico na Avenida Paulista, onde o deputado Nikolas Ferreira e outros expoentes do bolsonarismo convocam atos em defesa da anistia para os envolvidos no ataque às instituições democráticas em 8 de janeiro de 2023. O discurso, polido com lágrimas de crocodilo, é o de suposta justiça para “donas de casa” e “idosos inocentes”, que teriam sido vítimas de um Estado vingativo. Mas por trás da cortina de fumaça, o que se desenha é mais uma tentativa orquestrada de salvar os verdadeiros mentores do caos — e reescrever a história em favor da impunidade.
No Acre, terra de Chico Mendes e palco de lutas por justiça social e preservação da vida, essa encenação ganha tons ainda mais dramáticos. Aqui, onde a política ainda se desenrola ao redor de velhos coronelismos, a adesão a narrativas autoritárias se veste de “crítica à seletividade da justiça”, mas carrega o mesmo projeto antidemocrático que se viu nos escombros do Planalto invadido.
A proposta de anistia, defendida por figuras aliadas de Bolsonaro, na prática, é uma tentativa de limpar o passado de seus próprios líderes. O revisionismo, como já nos ensinou Hannah Arendt, não começa com tanques na rua, mas com a distorção da verdade nos palanques e nas redes. Quando Débora, condenada a 14 anos por crimes como tentativa de abolição do Estado democrático de direito, é apresentada como alguém punida por “pichação”, não se trata apenas de erro: é manipulação consciente da opinião pública.
Ao estilo de Carl Schmitt, para quem o soberano é aquele que decide sobre o estado de exceção, os defensores da anistia tentam instaurar, na prática, um novo marco de impunidade política — onde a violência contra a democracia é relativizada se a intenção for “salvar o Brasil”. É um projeto messiânico, com tintas de teocracia e ódio às instituições, que se ancora no ressentimento social e no medo — combustível para os movimentos de massa que, como já apontou Umberto Eco, são terreno fértil para o fascismo moderno.
No campo institucional, a conivência é quase tão grave quanto a ação direta. A pressão bolsonarista na Câmara dos Deputados revela o jogo: obstrução de votações, barganha com reformas ministeriais e chantagens escancaradas. A figura do novo presidente da Câmara, Hugo Motta, hesitante e preocupado com sua própria base, contribui para o clima de insegurança jurídica e incerteza institucional. O Legislativo, mais uma vez, parece desconectado dos anseios populares.
No Acre, a falta de representatividade política que priorize o debate público sobre educação, saúde, infraestrutura e proteção ambiental é sintomática. Enquanto milhares aguardam uma balsa que nunca chega ou uma estrada que nunca termina, líderes locais posam para fotos ao lado de figuras que conspiraram contra a democracia. É uma vergonha silenciosa.
As manifestações deste dia 6, embora travestidas de luta por justiça, representam, na verdade, o esforço de uma elite política acuada de se blindar da responsabilidade por seus atos. E, como já advertia Boaventura de Sousa Santos, a democracia não morre de uma só vez — ela morre aos poucos, na normalização da violência, na aceitação do autoritarismo e na negação da memória histórica.
Não se trata de vingança, como alegam os defensores da anistia, mas de justiça. Não há como virar a página sem ler e compreender o que está escrito. Se fizermos isso, corremos o risco de repetir os mesmos erros — e de permitir que, mais uma vez, o Brasil anistie seus algozes enquanto silencia suas vítimas.
Por fim, cabe à sociedade civil, à imprensa livre e à academia, inclusive à juventude politizada do Acre, manter acesa a chama da verdade e da responsabilidade. O futuro da democracia não se negocia nas sombras do Congresso nem nas falácias das redes sociais — ele se constrói com memória, justiça e compromisso inegociável com o Estado de Direito.
Tácio Júnior é jornalista, pela Universidade Federal do Acre, acadêmico de sistemas para internet, pelo Instituto Federal do Acre, e assessor do vereador André Kamai.