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ARTIGOS

A competência constitucional e legal dos TCEs: limites e controvérsias sobre o afastamento de secretários de estado em caráter liminar 

A competência constitucional e legal dos TCEs: limites e controvérsias sobre o afastamento de secretários de estado em caráter liminar 

A Constituição Federal de 1988 conferiu aos Tribunais de Contas a função de exercer o controle externo da administração pública, subordinado ao Poder Legislativo. A atuação desses órgãos, seja no plano federal (TCU) ou estadual (TCEs), possui caráter técnico e fiscalizatório, voltado à análise contábil, financeira, orçamentária e patrimonial das entidades públicas. No entanto, a extensão dos poderes desses tribunais tem sido objeto de debates, sobretudo diante de episódios recentes envolvendo medidas cautelares que ultrapassam sua competência típica – como o controverso afastamento de secretários de Estado.

Nos termos do artigo 71 da Constituição, ao Tribunal de Contas da União compete aplicar sanções administrativas, sustar atos ilegais e representar ao Congresso ou ao Ministério Público sobre irregularidades. Não há, todavia, qualquer autorização constitucional expressa para que os Tribunais de Contas, inclusive os estaduais, determinem a exoneração ou o afastamento de agentes políticos, como secretários estaduais. 

A jurisprudência majoritária, bem como a doutrina contemporânea, ressalta que os Tribunais de Contas são órgãos auxiliares do Legislativo, não compondo o Poder Judiciário e tampouco possuindo função jurisdicional ou executiva. Isso significa que suas decisões têm natureza administrativa, com poderes restritos à recomendação e imposição de penalidades administrativas (como multas e glosas), sem possibilidade de impor medidas típicas de responsabilização política ou jurídica.

É importante ressaltar que, embora os Tribunais de Contas possam fiscalizar e recomendar providências administrativas aos entes auditados, não lhes é permitido determinar atos executivos unilaterais, especialmente com base exclusiva em denúncias não instruídas por elementos técnicos ou sem o prévio contraditório com o órgão fiscalizado.

 O controle externo deve ser exercido com observância ao devido processo legal e à ampla defesa, de modo que a simples recepção de uma representação ou denúncia – desacompanhada da oitiva prévia do órgão ou da autoridade visada – não autoriza medidas impositivas como afastamentos cautelares ou sanções diretas.  

A prática de adotar decisões com efeitos imediatos, sem recepcionar formalmente as informações e justificativas da entidade fiscalizada, compromete a legalidade do ato e pode configurar violação ao princípio da separação dos poderes e ao contraditório.

O poder de cautela exercida por esses órgãos tem como finalidade a garantia do resultado útil do processo de contas – não se confundindo com o poder de afastar ocupantes de cargos políticos, prerrogativa que a Constituição reserva ao Poder Legislativo (no âmbito do impeachment) ou ao Judiciário (em ações de improbidade ou penais).

O CASO DO TCE DO ACRE: UM MARCO CONTROVERTIDO 

Em 10 de junho de 2025, o Tribunal de Contas do Estado do Acre (TCE-AC) determinou liminarmente o afastamento do Secretário Estadual de Educação por 30 dias, com base em representação do Ministério Público de Contas. A motivação foi a denúncia de graves falhas estruturais em uma escola rural, com risco à saúde e dignidade de crianças.

A decisão, fundamentada no “poder geral de cautela” e em dispositivos regimentais internos do TCE-AC, gerou grande repercussão. A presidência do Tribunal alegou que a medida era necessária para garantir a efetividade das inspeções e evitar interferências nas investigações.

Ocorre que tal medida, embora justificada pela urgência, não encontra amparo expresso na Constituição nem em legislação complementar. A ausência de previsão legal específica para o afastamento de secretários de Estado por tribunais de contas levanta dúvidas quanto à legalidade e à legitimidade da decisão.

Não há, até o momento, jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça que autorize Tribunais de Contas a afastar agentes políticos. Pelo contrário, decisões do STF têm reforçado que os Tribunais de Contas não exercem função judicial, nem possuem competência penal ou de responsabilização política.

Em um precedente próximo, o Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO), em 2024, recusou-se a afastar secretários municipais de Goiânia, limitando-se a recomendar providências ao Legislativo local. Essa postura reflete o entendimento majoritário de que medidas como exoneração ou afastamento cautelar de secretários devem ser tomadas por instâncias dotadas de competência jurisdicional ou política, não por órgãos técnicos de controle externo.

Dessa forma, o TCE/AC deveria recomendar ao legislativo que tome providencias, e não, liminarmente, usurpando a competência do executivo e legislativo, determinar o afastamento de Secretário de Estado.  

Ao analisamos a Lei Orgânica do TCE-AC (Lei nº 38/1993), verifica-se não haver respaldo legal para tal competência.

O Tribunal de contas não é um órgão do Poder Judiciário. Ele exerce o controle externo, que auxilia o Poder Legislativo na fiscalização das contas públicas.  

A competência para eventual julgar e afastar Secretário de Estado é da ALEAC, e não do TCE/AC.

A decisão liminar ainda deve ser submetida ao Plenário do TCE, a qual poderá suspender ou manter a liminar, ou ainda, realizar outras proposições, como por exemplo a Restrição funcional a qual delimina o acesso a informações ou o impedimento de tomar decisões em determinados casos.

É possível que a depender da decisão a ser tomada pelo órgão, a medida venha a ser judicializada, por meio de mandado de segurança ou outra ação constitucional, o que levará o Judiciário a avaliar a legalidade do ato sob a ótica da separação de poderes e da competência legal do TCE.

Por fim, se faz necessário mencionar um exemplo de eficiência e cautela nas decisões foi observado pelo MPAC que já encontra-se tomando providencias em caráter de urgência, objetivando uma resposta a sociedade que necessita ver a apuração correta dos fatos, dado a sua gravidade, todavia, não requereu nenhum afastamento de Secretário com base exclusivamente em notícias, sem o devido processo legal.

Em tempos de crise e urgência, é compreensível a pressão por respostas rápidas, mas estas não podem atropelar os pilares do Estado de Direito.

 ADVOGADO – OAB/AC 3.604 | OAB/RO 11.071 | OAB/DF 58.985